sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sobre o cotidiano, história e poder.

Que não te despojem
de teu sentido inicial.
É fácil crer no que
crê a multidão.
Fortaleça teu entendimento
de um modo natural;
difícil é saber
o que é diverso. Goethe.
Agnes Heller nasceu em Budapeste, em 1929. Filósofa, judia, marxista e militante ela deixou o seu país e mudou para os Estados Unidos onde desenvolveu seus pensamentos a cerca da sociedade e a história. Possui preocupações sobre a vida cotidiana, a ética e moral e a reflexão sobre a condição humana.
Nesse espaço pretende-se discutir a questão do cotidiano para História dentro das considerações da obra “O Cotidiano e a História” da autora. Os historiadores por muito tempo desvalorizaram os acontecimentos diários como uma unidade temporal da História, visto que o cotidiano está muito mais próximo do presente que do passado ao qual os historiadores estavam acostumados a partir suas discussões. Isso também , não significa que os fatos do cotidiano não interessavam a História, mas o impasse era muito mais uma questão metodológica do que de interesse.
Após o enfraquecimento de alguns modelos interpretativos positivistas a História refloresceu com novas análises metodológicas que se aliaram a outras Ciências Humanas a fim de ampliar as discussões históricas. Assim, embora pertencente ao século XVIII a História Cultural ganha força e adeptos. Uma escrita mais intimista toma o lugar das estruturas positivistas. O indivíduo invade o campo que antes era somente voltado a grandes homens.
Assim a História se revela no seu dia-a-dia e mostra uma mudança no seu etinerário revelando maior entendimento sobre os indivíduos formadores da sociedade. A substância social é o homem em sua particulariedade e individualidade sendo ele um agente social capaz de modificar as esferas sociais. E também, um ser que sempre está a marcê das influências econômicas.
A preocupação de Heller está em mostrar que esse indivíduo é o grande fazedor da sociedade e que dependendo da sua conduta- de seus modos de pensar e agir- a sociedade a qual ele vive tomará as formas desejáveis. O problema está na particularidade do indivíduo que busca satisfazer-se de necessidades do seu eu e pode passar a reproduzir o que lhe é colocado passando a se tornar incapaz de qualquer pensamento a cerca da sociedade em que vive.
Heller atenta ao fato da dificuldade em traçar o que é o cotidiano. E afirma ser a vida cotidiana a vida do indivíduo. O problema está então na generalização do indivíduo. “O indivíduo é sempre, simultaneamente, um ser particular e ser genérico” . A autora divide a vida social em dois pólos: o do cotidiano e o não-cotidiano. Na vida cotidiana o homem se aproria da linguagem e dos costumes de uma sociedade. Já na esfera não cotidiana o homem utiliza as artes, as ciências, a política, mostrando que o indivíduo é capaz de produzir ações inovadoras que quebram a rotina, o caráter conservador e a alienação do indivíduo que somente reproduz as ações cotidianas. Sendo assim, a vida cotidiana é a vida do homem em sua totalidade, que vive na heterogeneidade que lhe dá alternativas e possibilidades em uma hierárquia que acaba por conduzir o seu papel dentro da sociedade.
Para que o indivíduo não caia no erro da repetição de valores produzidos pela sociedade ao qual está introduzido, este necessita aprender a a munusear os objetos, os instrumentos e utensílios de sua cultura. E a partir dessa apropriação consciente ele passa a ter mais meios de se comunicar com outros indivíduos, dando formas a uma transformação social.
Segundo Heller, “ A vida cotidiana , de todas as esferas da realidade, é aquela que mais se presta à alienação”. , a existência muda e reprodutiva do ser humano acaba por incentivar a alienação e o conformismo. Porém, não somente a alienação preocupa a autora, outros elementos da estrutura da vida cotidiana são discutidos pela autora. A espontaneidade — a livre escolha — é fundamental para o funcionamento da vida cotidiana. Seria impossível realizarmos nossas atividades diárias se nos dispussemos a refletir sobre todas elas. A espontaneidade é necessária para a vida em sociedade.
Outro fator importante para vida cotidiana é a probabilidade, isto é, a possibilidade. Nas ações cotidianas a probabilidade age como um meio de “refletir” sobre tal ação. Mas como já foi mencionada, a reflexão não é possível pois inviabiliziaria as ações humanas, sendo assim agir de acordo com as probabilidades já colocadas acaba por facilitar o alcance dos objetivos dos indivíduos o que implica no economicismo da vida cotidiana, isto é, no encurtamento das possibilidades para despender menos esforço do indivíduo, esforço este mental e físico, desconsiderando a praxis e a teorização, matendo no caso da sociedade capitalista a alienação em diversas esferas sociais.
A estrutura da vida cotidiana é embutida de sentimentos de fé e confiança justamente para fortalecer as ideias já expostas e para evitar questionamentos. A ultrageneralização também é um meio que o indivíduo encontra para “refletir” sobre um determinado acontecimento particular sem grandes esforços o que acaba gerando pré- juízos e preconceitos para humanidade. Assim como a ultrageneralização, o uso dos precedentes é facilitador. Heller, no entanto, atenta ao fato de que pode ser nocível o uso de precedentes quando este impede que o indivíduo enxergue algo novo.
Para Heller, “Não há vida cotidiana sem imitação” , está faz parte do nosso sistema de aprendizagem, nos é inserido no ato da vida em sociabilidade.
Após apresentar a estrutura da vida cotidiana é importante lembrar que para a autora o problema não está em o indivíduo apresentar essas características e sim na incapacidade de absorção e crítica dos mesmos. Fato que se dá pelo processo de alienação ao qual o indivíduo é submetido inconscientemente, empobrecendo a humanidade e fazendo com que em uma sociedade dividida por classes, alguns indivíduos acabem sendo submetidos à outros o que não permite o acesso as atividades não cotidianas (como o usufruto das artes, ciências e política) para todos. Mas, deixa claro que a alienação não é uma regra da vida cotidiana. Não está na sua origem. E sim, faz parte de um sistema social cuja organização limita o indivíduo com o intuito de fortalecer o sistema econômico.
Agnes Heller é conhecida por sua luta política, pela sua militância e desejo de transformar a sociedade. E o mais precioso de sua obra é nos mostrar que existem possibilidades para essa transformação. Estas, possibilidades, estão ligadas aos nossos comportamentos e hábitos. É possível confrontar a formação social que o capitalismo exerce sobre a nossa individualidade. Para isso é necessário a tomada de consciência e a reflexão sobre a ética para que assim o indivíduo seja capaz de ser um agente transformador.

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